Quanto à devoção, o seu principal objecto é sem dúvida a soberana divindade, da qual não poderíamos deixar de ser devotos quando a conhecemos como se deve conhecer. Mas também podemos ter devoção pelo nosso príncipe, pelo nosso país, pela nossa cidade, e mesmo por um homem particular quando o estimamos muito mais que a nós mesmos. Ora, a diferença que há entre esses três tipos de amor manifesta-se principalmente pelos seus efeitos; pois, como em todos nos consideramos juntos e unidos à coisa amada, estamos sempre dispostos a abandonar a menor parte do todo que compomos com ela, para conservar a outra.
Isto leva-nos, na simples afeição, a sempre nos preferirmos ao que amamos; e, na devoção, ao contrário, a preferirmos a coisa amada e não a nós mesmos, de tal forma que não hesitamos em morrer para a conservar. Frequentemente se viram exemplos disso, nos que se expuseram à morte certa para defender o seu príncipe ou a sua cidade, e mesmo às vezes pessoas particulares às quais se tinham devotado por inteiro.
René Descartes-Os tipos de amar
Os vários tipos de amor
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